sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Barqueiro...

O sol ainda não nascera, mas a sua luz já iluminava o céu, quando Gubernator saiu de sua casa na encosta. De chapéu na cabeça, dirigia-se, todos os dias, para o cais, onde residia o seu “Timoneiro”.
Gubernator havia nascido naquela ilha e por lá ainda vivia, amarrado às memórias e lembranças. Por nada deste mundo deixaria aquela ilha e toda a história que ela contava. Nem mesmo quando um violentíssimo fogo se alastrou pela ilha Gubernator a deixou. Era ali, naquela casa, que tinha nascido, naquelas ruas que crescera, naquelas pedras que brincara. Aprendera o ofício do pai, nascera com as mãos da mãe. Aos quinze anos já trabalhava com o pai, lado a lado, e tomava conta de casa, quando a mãe saía para vender no mercado do continente.
Na ilha onde vivia, Senun, não morava muita gente. Gubernator tornara-se um lobo solitário desde pequeno. Quando chegava o Verão é que Gubernator conhecia o prazer de brincar com outras crianças que iam para a ilha de férias. Mas tudo acabou, quando aos quinze, depois de seu pai morrer, teve de começar a fazer as visitas turísticas pelo mar.
O “Timoneiro” tinha-se tornado o seu companheiro e a única ligação a seu pai.
Poucos anos depois, morrera também a sua mãe, vítima de uma pneumonia. Gubernator ficara sozinho e agarrara-se ainda mais ao que tinha. Decidira não abandonar a ilha.
Todos os dias descia até junto do “Timoneiro”. Tratava-o, cuidava-o. Um pequeno barco que era tudo para ele.
Mas os tempos novos assustavam-no. As pessoas já não vinham para a ilha e os poucos que vinham não se arriscavam a meter um pé na pequena barca, mesmo quando a viagem nada lhes custaria.
E ali estava Gubernator, de volta do barco, na sua solidão, rodeado de lembranças e de imagens que só existiam a seus olhos.
Eram todos os dias igual a este: Gubernator sentava-se no cais, esperando que alguém aparecesse para uma pequena viagem. Mas essas eram cada vezmais raras e muitas vezes partia sozinho.
O mar estava calmo. “Timoneiro” balançava suavemente nas ondas calmas. O sol começava a desaparecer por entre os montes que rodeavam a ilha. De tudo o que Gubernator mais gostava era de ver o por do sol. Por isso chegava a hora.
Do cais desamarrava o velho barco. Lentamente começou a contornar os montes até que à sua frente só existia o azul do mar e um sol quase a mergulhar nas águas.
Mais um dia chegava ao fim. O sol começava a tingir as águas de vermelho e o velho Gubernator ali estava, sentado na sua barca, maravilhando-se com esta maravilha da natureza, sempre igual, mas sempre diferente. Um rol de emoções o invadia e o fazia ficar ali a assistir ao nascimento da lua e das estrelas.
As primeiras estrelas surgiam no céu, cada uma a seu tempo. Mas quando Gubernator deu por si, perdido nos seus pensamentos, já o céu se enchera de estrelas. Deitado na sua barca, começou a recordar as constelações e as histórias que seu pai lhe contara.
Esta noite era diferente. O ar estava calmo, a lua brilhava suavemente no céu. No rosto de Gubernator esboçava-se um sorriso. Partira uma última vez daquele porto e o “Timoneiro” iria perder-se nos mares, mas Gubernator estava feliz, pois conseguira libertar-se de todas as memórias e sentia-se preparado para explorar o mundo!

 

Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Pégasus e o Cavaleiro



A lua acabara de eclipsar-se há alguns minutos. A noite estava escura e fria. Suavemente um fiozinho de luz começara a surgir no céu. A lua voltara a brilhar e, quando terminou o eclipse, Pégasus surgiu no cimo de um monte. De longe, um homem via aquele cenário de quadro, admirando toda a beleza do momento.
Pégasus era um jovem cavalo. Não o mais belo da sua tropa, mas o que tinha causado mais admiração àquele homem que, sentado tantas noites na esplanada da sua cabana, o admirava e desejava conseguir montá-lo.
Contudo, Pégasus não era um cavalo fácil; era selvagem, corria os campos de uma forma diferente de todos os outros. Não era a primeira vez que aquele homem o tentara montar e, de diversas vezes, Pégasus tinha-lhe deixado marcas.
Mas naquela noite tudo seria diferente. O homem não o sabia; Pégasus não o sentia.
O homem entrou em casa. Depois de ter acendido a vela do seu quarto, abriu o armário. Lá dentro as botas de cano jaziam, juntamente com o chicote e a corda. Seria mais uma noite de tentativa, mas, agora, algo lhe dizia que seria única.
Saiu para os campos. Lá longe, Pégasus corria livremente. A sua crina de um castanho-escuro, esvoaçava ao vento. Uma vez mais relinchava com o prazer da sua liberdade. O homem, de longe, apreciava todo aquele cenário e foi impelido, não se sabe se pela magia da noite se pela sua loucura, a caminhar até Pégasus. Para trás ficaram a corda e o chicote, bem como as esporas das suas botas. O seu coração palpitava fortemente. Pégasus estava a menos de dois metros do homem quando se apercebeu da sua presença. Levantou-se e colocou-se frente a frente ao homem.
Taurusan não era um homem velho. Não. Era um jovem robusto, na flor da idade. Vivia na encosta de um monte, na sua cabana sem luz eléctrica e longe de todo o movimento frenético das cidades. Dizia várias vezes, quando era obrigado, pela força de algumas necessidades, a descer à aldeia mais próxima, que era no meio da natureza, no meio da obra belíssima de Deus que se sentia bem. E era ali que vivia há vários anos.
A sua vida cruzara-se com a de Pégasus de uma forma inesperada. Desde o primeiro momento que desejava subir para o seu dorso, cavalgar sobre os montes nas tardes quentes e nas noites de luar. Mas os sonhos eram maiores que a realidade. Pégasus ainda cavalgava sozinho e Taurusan observava-o sempre que podia.
Já várias vezes o tentara domar, mas Pégasus levava sempre a melhor.
Mas agora era diferente. Pégasus e Taurusan estavam ali, frente a frente.
Taurusan avançou, lentamente, mais um metro. Quando se aventurou a dar mais um passo, Pégasus recuou.
O medo podia ler-se nos olhos de ambos. Tão perto, mas tão longe.
Dez minutos se passaram e eles ali, frente a frente, sem um único movimento. Taurusan estendeu o braço e de mão aberta avançou uma passada. Podia sentir o bafo quente de Pégasus. Na sua mente passavam imagens da sua vida: um reviver de tudo o que tinha vivido com aquele cavalo. E agora tão perto. O seu coração disparava, a emoção apoderava-se do seu corpo. Não era capaz de avançar nem mais um passo. Receava, do fundo do seu coração, deitar tudo por terra.
O tempo passava sem que eles dessem por isso. Pégasus sentia o nervosismo de Taurusan; Taurusan ansiava por aquele momento.
De repente, Pégasus avançou. Não foi uma investida, mas uma passada suave. A mão de Taurusan assentou, suavemente, sobre os olhos de Pégasus. Os seus olhares cruzaram-se de uma tal forma que nada, naquele momento, os poderia distrair. Aquele era o momento, o momento mágico que Taurusan esperava e que Pégasus concretizara.
A mão de Taurusan passeou-se pela crina e, receando, avançou para o dorso. Pégasus estava calmo e exibia-se perante a figura de Taurusan.
Uma vez mais se encontraram frente a frente, olhos nos olhos. Os seus olhos brilhavam; Taurusan era o homem que brilhava aos olhos de Pégasus.
No brilho de seus olhos podia ver-se a enorme vontade de montar Pégasus; Pégasus ansiava correr pelos campos.
A confiança encheu Taurusan de energia e este, de um salto, subiu para o dorso de Pégasus. As suas patas dianteiras ergueram-se no ar e Taurusan só teve tempo de se agarrar à sua crina castanha.
Nos campos ouviu-se um novo galope e Pégasus e Taurusan corriam neles.
A lua quase tocava no cume do monte, um homem e um cavalo corriam livremente.
Um sonho se concretizara, uma vida nova surgia!


Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A magia de ler!


Se na minha vida tenho paixões, uma delas é, certamente, a leitura. Não sei que feitiços lançaram nos livros ou que encantamento eles me fizeram, mas a verdade é que cada vez que abro um livro, aprisiono-me a ele, nasce em mim a vontade de mergulhar nele, de ser uma parte constituinte do livro, de viver nele.
Cada vez que abro um livro, saltam de lá as árvores, as estradas, a neve, a chuva ou o sol. Na minha frente surgem as casas, os mares, as pessoas. Ouço as vozes daqueles que caminham nas estradas, que estão sentados a uma mesa de café ou restaurante. Um cenário, descrito em palavras surge-me como uma realidade viva e palpável. Conheço aqueles espaços e personagens; pressinto-os; conheço-lhes as expressões no rosto, a forma como falam, como se movem. Ouço o canto do pintassilgo, o som das cascatas, os segredos do vento e as razões da chuva.
Tudo se forma na minha cabeça, sem que eu possa evitar. Choro por aqueles que choram, rio pelos que riem. Exalto-me com os que gritam e zango-me com os que se tornam inimigos. Uma segunda vida renasce para mim nas páginas de um livro. Posso ser um herói ou o simples mordomo; um rei ou um simples camponês. É-me fácil percorrer oceanos ou fazer longas caminhadas; cavalgar por montes desconhecidos, voar no infinito céu. Mas, na realidade, são somente palavras, esborratadas numa folha, e noutra e em mais outra.
E quando acabo mais um livro, a ausência de algo fica presente na minha vida. E, para além de toda a possibilidade de imaginação, também toda a imensidão de ensinamentos que podemos apreender. Toda uma cultura, um transmitir de conhecimentos e tradições, de verdades e desvendar de mistérios. Toda uma possibilidade de discussão, de argumentação. Toda uma possibilidade de podermos conhecer, de sermos melhores.
Pudera eu viver eternamente numa enorme biblioteca, poder conhecer todas as palavras, todas as frases de eternos clássicos, de obras que nunca saíram disso mesmo: de simples páginas pintadas com palavras, formando uma mancha bela.
E uma vez mais me sento na poltrona que está de frente para a lareira. A velha lareira de tijolo, repintado de preto por todo o uso, guarda em si as chamas vermelhas e laranjas que ardem e dançam numa liberdade invejosa. Olho pela vidraça e a neve cai la fora, suavemente, sobre o chão. Desce, dos altos céus, sem pressas. Dança entrelaçada com o vento; uma valsa, talvez, tocada suavemente por violinos. Uma valsa calma que, de súbito, se apressa com os violoncelos, os trompetes, as trompas, os oboés e os rufos. E o floco de neve cai no chão, juntando-se a todos os outros que não resistiram à valsa.
Mais um cavaco na lareira. Estico as pernas no pequeno banco de madeira, forrado num verde e negro que se entrelaçam sem se misturarem. Pego no livro que está em cima da camilha, coberta com uma toalha verde-escuro. As velas, no castiçal prateado, brilham. Fecho os olhos e preparo-me para entrar no misterioso. Abro o livro e lá vou eu, em mais um momento de fuga, em mais um momento de alegria ou tristeza. Em mais um momento só meu! 
 
 

Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Os olhos com que vemos!


Saudações queridos leitores.
Sim, é verdade. Há muito tempo que não vos escrevo, mas decerto compreendereis que, agora, não disponho de todo o tempo que desejava. E na falta desse tempo desejável inclui-se o tempo para vos escrever. Hoje, num tempinho que me forcei a ter, decidi escrever nestas partituras de sonho.
Escrevo-vos estas palavras com um pouco de indignação que passarei a expor para vós.
Hoje, num tempinho que tive entre o servir a refeição e a sobremesa a alguns clientes, estive a ver as notícias. Crise e mais crise, política e mais política. Uma miscelânea de notícias. Contudo, uma das notícias falava sobre o novo livro do Papa Bento XVI – Jesus de Nazaré: a Infância de Jesus. Ainda não tive oportunidade de comprar o livro e de o ler, mas antes do final do ano tentarei falar-vos mais concretamente sobre este livro. Voltando à notícia do lançamento do livro, os rodapés falavam do “escândalo” de Bento XVI afirmar que Jesus não nascera na Nazaré, que não havia burros nem vacas e que, na verdade, Jesus não nascera no ano um mas sim no ano sétimo antes da era comum (ou na denominação comum, antes de Cristo).
Bem, na verdade, Bento XVI não veio dar novidade ao dizer que Jesus nascera antes da era comum, pois isso já o disseram vários historiadores e, citando E. P. Sanders, do seu livro “A Verdadeira História de Jesus”, «Jesus nasceu no ano 4 a.e.c, por volta da data da morte de Herodes Magno […] alguns investigadores preferem o ano 5, 6 ou, até, 7 a.e.c.» e explica a razão pela qual é atribuído o ano um ao nascimento de Jesus:
«No século VI […] Dionísio Exíguo, introduziu um calendário litúrgico que contava os anos “a partir da encarnação” […] e não de acordo com o sistema estabelecido pelo imperador romano Diocleciano, um pagão.», e por aí continua.
Não posso, neste momento, fazer uma análise ao novo livro de Joseph Ratzinger – Bento XVI pois, como já referi, ainda não o li.
Mas não foi para tentar “limpar” (não sei se será o termo mais adequado e, por isso, peço desde já desculpa) a imagem do Sumo Pontífice que vos escrevi, mas sim para fazer uma pequena comparação.
Depois de darem esta notícia de uma forma, digamos, trágica, uma outra notícia foi dada como a melhor notícia da noite: o grande sucesso de “ As Cinquenta Sombras de Grey”. Bem, mais uma vez não li o livro e, possivelmente, muitos poderiam dizer que eu havia era de estar calado e que só deveria falar depois de ler os livros em questão. Mas atenção, eu não faço uma crítica aos livros, mas sim a forma como apresentam as notícias.
Para quem não sabe, os livros de E. L. James, têm como base o erotismo (e se já alguém leu e eu estiver enganado, por favor digam). E a grande pergunta do jornalista às pessoas que estavam à espera para que a autora lhes assinasse o livro era “se a sua vida sexual tinha melhorado”. Não posso esconder: fiquei um pouco escandalizado com aquilo e com as respostas das pessoas.
Mas que queria eu dizer com isto tudo? Na verdade, o que queria dizer era que acho interessante a perspectiva como as notícias são dadas: quando toca à Igreja tenta-se sempre encontrar o seu lado mau e, na sua ausência, arranja-se forma de haver. Quando toca a sexo, tudo é uma maravilha e tudo é “apoiado”. E não o digo só por causa da notícia de hoje, mas também por outras reportagens que já visualizei.
E, findo, desejando que E. L. James continue a ter sucesso, pois, como já referi, nada tenho contra o livro ou a autora, mas somente como as notícias por vezes são dadas. Deixo-vos uma questão final:
Porquê que tenta-se sempre diminuir aqueles que tanto bem fazem?




Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa