A chuva chegou de mansinho pelo fim da tarde. Nicolas fazia a sua viagem em direcção a casa, pelas estradas cheias de curvas pela serra. O nevoeiro começou a serrar e pouco ou nada se via à sua frente.
Como ainda tinha tempo e nada o esperava, Nicolas decidiu parar o carro e aproveitar um pouco daquela primeira chuva outunal. Saiu do carro e caminhou um pouco pela estrada que se ia desvendando à sua frente. A chuva miudinha não chateava e sentia-se bem por poder aproveitar aquele momento com o ar puro da serra, o cheiro intenso a terra molhada.
Sem que esperasse, os pensamentos sobre dias anteriores invadiram a sua cabeça. Nada de muito importante, mas que davam alguma felicidade a Nicolas. Toda a felicidade se paga e Nicolas receava que algo mal pudesse acontecer nos dias seguintes. Tentava contrariar-se, dizendo que não, que pequenos momentos de alegria não eram pagos. Mas o que lhe ensinara a vida tinha sido absolutamente o contrário: todos os instantes de felicidade são pagos e por vezes caros de mais.
Nicolas queria deixar aqueles pensamentos de lado e recordar somente o que de bom havia acontecido: o voltar a fazer algo que tanto gostava mas que há muito deixara de fazer; o ter uma conversa interessante e com muita confiança; um café no fim de um dia numa esplanada... Pequenos prazeres, pequenos momentos de felicidade. E essas recordações faziam-no sorrir, ali, no meio do nevoeiro intenso, na chuva miudinha que não deixava de cair.
Nicolas olhou o relógio e apressou-se a voltar ao carro. Ainda havia trabalho a fazer e havia-se perdido em pensamentos tempo de mais.
Quando chegou a casa, jantou qualquer coisa rápida e afundou-se no trabalho. Aquele tempo "perdido" na serra, por entre nevoeiro e chuva, havia-lhe feito bem e não tencionava finalizar o seu dia com papelada e mais papelada.
No momento em que terminou o que havia ficado pendente, Nicolas olhou o relógio de solslaio e reparou que os ponteiros marcavam meia-noite. Dirigiu-se à cozinha, encheu a chávena de café, pegou no maço de cigarros e no seu isqueiro austro-húngaro e foi-se sentar na varanda de sua casa, virada para o cume da serra. Como ele se havia apaixonado pela serra, pelos seus bons ares, pelas suas pedras toscas, pelo prado rasteiro e as árvores verdes!
A sua cabeça enchia-se novamente de tantos pensamentos. De momentos bons, momentos maus, de pessoas de quem sentia saudades, de pessoas que lhe haviam virado as costas e de quem ele gostava. Pensava nos que já haviam partido, na saudade e no lugar vazio que haviam deixado. Sentia, em certas alturas, que o seu coração tinha-se quebrado em mil pedaços, num momento da sua vida e que agorateria de colar todos esses pedaços, deixando de lado o que de mal havia nele.
Sorria, simplesmente sorria. Nem tudo havia sido mau. E de que valia que permanecessem os maus momentos e os bons fossem esquecidos? Nada, simplesmente para aprender com eles, recordarmos bons momentos e deixar de lado essas mágoas e recordações que tanta vez o haviam feito chorar.
Nicolas puxou de um cigarro, acendeu-o e deu os primeiros bafos. A noite estava fresca. Nicolas contemplava a serra, senhora magestosa e modesta, tão conhecedora dos desabafos e bons momentos que Nicolas vivera, alí, na sua cabana ou noutro lugar qualquer. A melhor confidente, a melhor conselheira, a melhor amiga.
Nicolas apagou o seu cigarro, meio fumado, meio por fumar, despediu-se da serra e fechou a porta atrás de si, com um único pensamento na cabeça: afinal nem tudo é tão mau!
Ad majorem Dei gloriam!