domingo, 23 de setembro de 2012

Conto Outonal


O quarto crescente sorria no alto céu. Nas ruas da pequena aldeia brilhavam alguns pequenos pontos de luz que aluminavam a pequena estrada. Apagaram-se há pouco as restantes luzes que ainda iluminavam esta ou aquela casa. Só a lua fazia companhia à noite quente de Verão.
Quando o relógio da torre da igreja acabou de bater a meia-noite surgiu, na noite escura, o vulto de um pequeno homem. Caminhava pelo meio da estrada e quando se acercou da luz, conheceram-se-lhe os traços do rosto.
Na cabeça trazia uma boina castanha, gasta pelo tempo, cobrindo os seus fartos cabelos brancos. O seu rosto era velho, enrugado pelos anos. Os seus olhos castanhos brilhavam no olhar que dirigia à lua, enquanto a sua mão coçava a barba branca e grande. Puxou do seu relógio da algibeira do seu casacão amarelado e, olhando para o grande relógio da igreja, confirmava as horas.
Olhou de relance a lua e disse:
-“Está na hora!”
Sobre o ombro trazia um escadote. Numa das mãos, latas de tinta amarela, vermelha e castanha. Na outra, as trinchas e pinceis.
Aproximou-se de uma árvore, montou o escadote e, com as latas de tinta numa mão e as trinchas na outra, subiu o escadote e começou a pintar as folhas da árvore. Ora as salpicava de vermelho, ora as pintava de amarelo e castanho. Pegava suavemente em cada uma das folhas, falava com elas, como se as conhecesse há muito.
Depois de uma árvore pintada, passava a outra. Dava-lhes, a todas, o mesmo trato, o mesmo carinho. Para este homem eram velhos amigos. Para elas, grandes companheiros.
A lua teimava em fugir, escondendo-se por detrás do horizonte. De repente, o velho homem saltou do escadote, abriu o seu casacão e tirou de lá uma corda. Fez-lhe um laço e atirou-a À lua. Puxou-a mais para o alto do céu e disse-lhe:
-“Ainda é cedo!”
Amarrou-a a uma árvore e subiu novamente para o escadote. A lua, contente por não ter que ir já dormir, brilhou ainda com mais intensidade.
Quando o relógio da torre marcava as seis horas, o velho homem já tinha percorrido todas as árvores da pequena aldeia. Desamarrou a lua e desejou-lhe boa noite. Arrumou a corda, tapou os baldes e dirigiu-se para o topo da aldeia. Olhou para trás e sorriu ao ver a sua obra de arte. De repente largou os baldes e as trinchas. Esquecera-se de algo. Apalpou os bolsos e retirou do bolso de dentro do casaco uma pequena caixa dourada. Abriu-a e sussurrou-lhe:
-“Já é hora.”
Um vento forte saiu da caixa e, percorrendo a aldeia, fez cair algumas folhas no chão, formando uma belíssima passadeira de amarelos, laranjas, vermelhos e castanhos.
Abriu outra caixa prateada e de lá voaram, suavemente, algumas nuvens que cobrira, os céus. O trabalho estava feito, era hora de descansar. De novo o homem desapareceu. Agora não na penumbra da noite, mas sim nos primeiros raios da aurora.
O velho homem era o Outono. Chegara e já começara a fazer o seu trabalho.



Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Carta ao meu avô!


Querido Avô,
Grande parte da minha vida te ouvi falar sobre o eu não saber o que é passar necessidades como tu passaste, o que é trabalhar de sol a sol e chegar a casa e quase nada ter para comer. Muitas vezes te ouvi falar do que é não ter tido a oportunidade de estudar, das muitas oportunidades que nós temos e que não tiveste. E sempre que te ouvia falar nisso, pensava ou dizia-te que os tempos são outros, que muita coisa mudou.
Quando comecei a estudar e a conhecer a história do nosso país, comecei a perceber aquilo que passaste, mas sempre com fé no futuro de não ter que viver certas coisas.
Lembra-me da maneira como falavas de António de Oliveira Salazar, a mágoa que brilhava nos teus olhos e a dor que transparecia nas tuas palavras. E eu não gostava, porque sempre tive uma boa imagem desse mesmo homem, que honrava a Pátria, a Família e, acima de tudo, Deus.
Ainda navegam nas águas da minha memória as tuas palavras quando dizias que não sabia/sabíamos o que era ter vivido uma revolução e todas as melhorias que ela trouxe, para ti e para os teus, as oportunidades que nasceram e a mudança que se deu.
Entre ti e eu há a diferença de uma geração. Vivemos em épocas diferentes, com coisas que tu não tinhas na tua adolescência e juventude. Muitas vezes ainda pensas que algumas coisas são como há cinquenta anos atrás. Mas não, avô, muita coisa mudou.
Mas hoje, nos tempos que vivemos, posso dizer-te que nem tudo mudou.
Muito te ouvi dizer que Salazar dizia que livraria os portugueses da guerra, mas não da fome. E sabes uma coisa? Salazar morreu pobre e foi enterrado num pedacinho de terra no Vimieiro, onde muitos pisam essa terra e lha querem tirar. Mas o pobre homem deixou os cofres do Estado cheios de ouro (sempre o ouvi dizer). Hoje não temos um chefe de estado, um ditador, mas temos políticos que irão morrer ricos, para não dizer riquíssimos. E sabes uma coisa? Falcatruaram os seus estudos para poderem tirar mais uns trocos do nosso bolso.
Sabes, avô, os tempos que correm não são tempos fáceis. As pessoas voltaram a emigrar para conseguirem sobreviver. A cada dia que passa, mais medidas de austeridade são anunciadas e, o pobre do povinho, cada vez mais pobre e esses ladrões cada vez mais ricos. No teu tempo fugias da Pide, com medo da censura e de ires preso. Hoje não somos censurados, mas parece que ainda vivemos nesse tempo do lápis azul.
Hoje olho para o Parlamento com uma visão sarcástica. Parece uma cambada de miúdos, como no teu tempo, a atirarem pedras a um pobre pássaro sem nenhum pensar que forma seria melhor apanhá-lo.
Pois é, avô, parece que nem tudo melhorou, somente mudaram as circunstâncias e a forma de protestar. Já não cantamos a “Grândola vila morena” nas rádios para iniciar uma manifestação. Fazemo-lo pelas redes sociais. Mas a “Grândola” ainda por cá mora, de maneira diferente. Os corvos agora escrevem discursos mirabolantes para tentar tapar os nossos olhos, mas ainda alguém dorme ao relento na areia, ainda alguém passa fome, ainda alguém desespera e mete um fim à vida. Hoje as prisões não são de cimentos e pedra, mas muitos parecem viver em autênticas prisões.
Muitas vezes te disse que precisávamos cá do Salazar, e tu dizias que não sabia o que era viver no tempo dele. Hoje eu digo-te que precisamos de um Salazar moderno, de alguém que ponha fim a esta vergonha e coloque as nossas economias estáveis. Alguém que não se importe de morrer pobre desde que tenha ajudado o povo. Estes corvos, avô, não se interessam por cumprir as promessas; não se interessam por aqueles que votaram neles e que lhes dão a oportunidade de meter mais um pouco ao bolso. E todos nós somos burrinhos, porque voltamos a votar nos mesmos, sempre que há eleições. Os ladrões são todos os mesmos, só mudam de nome ou partido.
Hoje, avô, eu temo pelo meu futuro. Não sei se amanhã terei um emprego. Hoje eu temo pelos meus, não sei se amanhã terão um trabalho. Hoje eu temo pelos que hão-de vir, pois não sei em que terceiro ou quarto mundo irão viver. Tememos arriscar. Calamo-nos para não perdermos o que temos. Hoje eu vivo com medo de uma revolução, ou com a adrenalina de uma. Precisamos de mudar, mas poucos são os que apontam caminhos…
Ao fim de tudo, não sei, avô, se mudámos para melhor ou para pior.
Teu neto,




Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Discurso penoso!

Raramente vos falo de política neste blogue. E sabem porquê? Porque os meus conhecimentos sobre esse mesmo assunto são escaços. Contudo vejo-me forçado a falar-vos um pouco sobre os acontecimentos dos últimos dias, que tanto têm dado que pensar a alguns portugueses.
Esta semana, antes do jogo Luxemburgo - Portugal, o Senhor Primeiro Ministro deste país anunciou aos Portugueses mais medidas de austeridade, entre as quais o corte de um dos subsídios e o aumento da contribuição para a Segurança Social de 11% para 18%. Ora, é absolutamente natural que os Portugueses estejam descontentes com esta medida. Façamos contas: um cidadão deste país que ganhe 500 €, descontava para a segurança social cerca de 50€. Agora, com este novo desconto passa a descontar cerca de 90€. Sobram-lhe cerca de 410€. Pagando àgua, luz, gás e renda de casa, quanto lhe sobrará? 100? 150? E se tiver filhos?
Bem, na verdade este aumento veio tirar algum dinheiro do bolso dos portugueses.
Agora, no Facebook, o Senhor Primeiro Ministro veio dizer que foi um dos discursos mais penosos que teve de fazer. Se ainda não leram, deixo-vos as suas palavras:
"Amigos,

Fiz um dos discursos mais ingratos que um Primeiro-Ministro pode fazer - informar os Portugueses, que têm enfrentado com tanta coragem e responsabilidade este período tão dificil da nossa história, que os sacrificios ainda não terminaram.

Não era o que gostaria de poder vos dizer, e sei que não era o que gostariam de ouvir.

O nosso país é hoje um exemplo de determinação e força, e esse 

é o resultado directo dos sacrifícios que todos temos feito. Porém, para muitos Portugueses, em particular os mais jovens, essa recuperação não tem gerado aquilo que mais precisam neste momento: um emprego. Quem está nessa situação sabe bem que este é mais do que um problema financeiro - é um drama pessoal e familiar, e as medidas que anunciei ontem representam um passo necessário e incontornável no caminho de uma solução real e duradoura.

Vejo todos os dias o quanto já estamos a trabalhar para corrigir os erros do passado, e a frustração de não poder poupar-nos a estes sacrifícios é apenas suplantada pelo orgulho que sinto em ver, uma vez mais, do que são feitos os Portugueses.

Queria escrever-vos hoje, nesta página pessoal, não como Primeiro-Ministro mas como cidadão e como pai, para vos dizer apenas isto: esta história não acaba assim. Não baixaremos os braços até o trabalho estar feito, e nunca esqueceremos que os nossos filhos nos estão a ver, e que é por eles e para eles que continuaremos, hoje, amanhã e enquanto for necessário, a sacrificar tanto para recuperar um Portugal onde eles não precisarão de o fazer.

Obrigado a todos.
Pedro"


Bem, estas palavras não vieram consolar nenhum cidadão, apenas revoltá-los ainda mais. E disso é prova os cerca de 37000 comentários feitos a esta mensagem facebookiana. Eu, como cidadãos contribuinte, não pude deixar de manifestar a minha revolta e escrevi na publicação. Gostaria de partilhar convosco o que escrevi, mas os 37000 comentários já não me deixam encontrar. Contudo o país escreve, revolta-se, mas não sai para as ruas.
Precisamos de nos manifestar publicamente, de dar a cara. Estamos em crise, é certo, mas pouco vejo para que isso mude. O que vejo são cortes, tirar dinheiro do bolso dos portugueses e escrever mensagens bonitas no facebook. Os outros políticos, são como este. Apontam o dedo, mas não os vejo a apontar soluções. E o país avança e morre. E o país avança sobre os cadáveres daqueles que pouco têm para comer. E o país avança e os ladrões são sempre os mesmos. Bem dizia o Variações que "o povo é que paga". E há quantos anos? Tudo continua nos mesmos moldes. O povinho a pagar, o estado a gozar.
Há uns tempinhos, o Senhor Primeiro Ministro aconselhou os jovens a emigrarem, a deixarem o seu país, para irem para um país estranho. Pois bem, Senhor Primeiro, o meu irmão estudou em Portugal, formou-se neste país, pagou propinas neste país. E quando acabou o curso, que garantias teve de que este mesmo país lhe daria um emprego, por mais reles que ele fosse? Nenhumas. E ao fim de seis meses à procura de um emprego, partiu parao estrangeiro, ele e muitos como ele, onde agora se encontra bem, com um emprego seguro e projectospara um futuro longe de Portugal. E é assim, que vossa senhoria, quer que o país ande para a frente, levando para o estrangeiro, o futuro deste país. E agora pergunto: que garantias tem este país para o futuro? Nenhumas. Somos uma população envelhecida e todos nos queixamos de que os casais dos dias de hoje só têm um ou dois filhos. Pois, compreendo os jovens pais deste país. Ter um filho, nos dias que correm, acarreta vários custos e com o aumento de impostos, contribuíções e outras coisas mais, mal resta para educar um filho com garantias para o futuro.
Pois bem, Senhor Primeiro Ministro, o país está num caos. Bem sei que não é fácil dirigir um barco que está a afundar-se e que somos culpados de tudo. Mas no seu caso é diferente. O senhor não tenciona salvar o barco, mas sim afundá-lo, tentando salvar todo o ouro que os outros piratearam durante tanto tempo. O que o senor deseja é que não lhe metam a mão no bolso, mas mais preocupado em meter a mão no bolso dos outros. Escrevo-lhe com um sentimento de pouca caridade.
Exagéro? Talvez. Mas lembra-se como era difícil entrar na universidade aqui hà uns anos atrás? E este ano as vagas da primeira fase nao ficaram todas completas e, em alguns cursos, o último candidato a entrar tem uma média de 9,6. Vergonhoso, não?
Sempre achei fundamental que não se cortasse na educação e na saúde, bases fundamentais para uma vida com alguma qualidade. E que faz vossa senhoria e o seu governo? Cortam na educação e na saúde. Subsídios para jovens com poucas possibilidades poderem estudar, são cada vez menos. Os manuais cada vez mais caros, sem falar noutras variantes. Na saúde já nem se pode ir às urgências por causa do que se paga. Parece que a saúde é só para os ricos, e não para todo o povo.
Não me alongo mais, porque muitas podiam ser as queixas que aqui se poderiam apresentar contra vossa senhoria e os seus ministros. Não votei em si, e ainda bem. Pessoas como o senhor corromperam o sentido da verdadeira política, e isso envergonha-me. Dirijo-me às urnas, sempre que solícitado, por ser um dever meu como cidadão empara aqui poder escrever estas palavras de revolta. Peço a vossa senhoria que utilize um pouco do seu tempo de ócio para ler os comentários que lhe deixaram na sua querida mensagem que bem daria uma peça de teatro, fingindo uma tristeza que não sente.
Atenciosamente, deste seu amigo, e repare que ironizo, 
Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa