O quarto crescente sorria no alto céu. Nas ruas da pequena aldeia
brilhavam alguns pequenos pontos de luz que aluminavam a pequena estrada.
Apagaram-se há pouco as restantes luzes que ainda iluminavam esta ou aquela
casa. Só a lua fazia companhia à noite quente de Verão.
Quando o relógio da torre da igreja acabou de bater a meia-noite
surgiu, na noite escura, o vulto de um pequeno homem. Caminhava pelo meio da
estrada e quando se acercou da luz, conheceram-se-lhe os traços do rosto.
Na cabeça trazia uma boina castanha, gasta pelo tempo, cobrindo os
seus fartos cabelos brancos. O seu rosto era velho, enrugado pelos anos. Os seus
olhos castanhos brilhavam no olhar que dirigia à lua, enquanto a sua mão coçava
a barba branca e grande. Puxou do seu relógio da algibeira do seu casacão
amarelado e, olhando para o grande relógio da igreja, confirmava as horas.
Olhou de relance a lua e disse:
-“Está na hora!”
Sobre o ombro trazia um escadote. Numa das mãos, latas de tinta
amarela, vermelha e castanha. Na outra, as trinchas e pinceis.
Aproximou-se de uma árvore, montou o escadote e, com as latas de tinta
numa mão e as trinchas na outra, subiu o escadote e começou a pintar as folhas
da árvore. Ora as salpicava de vermelho, ora as pintava de amarelo e castanho. Pegava
suavemente em cada uma das folhas, falava com elas, como se as conhecesse há
muito.
Depois de uma árvore pintada, passava a outra. Dava-lhes, a todas, o
mesmo trato, o mesmo carinho. Para este homem eram velhos amigos. Para elas,
grandes companheiros.
A lua teimava em fugir, escondendo-se por detrás do horizonte. De
repente, o velho homem saltou do escadote, abriu o seu casacão e tirou de lá
uma corda. Fez-lhe um laço e atirou-a À lua. Puxou-a mais para o alto do céu e
disse-lhe:
-“Ainda é cedo!”
Amarrou-a a uma árvore e subiu novamente para o escadote. A lua,
contente por não ter que ir já dormir, brilhou ainda com mais intensidade.
Quando o relógio da torre marcava as seis horas, o velho homem já
tinha percorrido todas as árvores da pequena aldeia. Desamarrou a lua e
desejou-lhe boa noite. Arrumou a corda, tapou os baldes e dirigiu-se para o
topo da aldeia. Olhou para trás e sorriu ao ver a sua obra de arte. De repente
largou os baldes e as trinchas. Esquecera-se de algo. Apalpou os bolsos e
retirou do bolso de dentro do casaco uma pequena caixa dourada. Abriu-a e
sussurrou-lhe:
-“Já é hora.”
Um vento forte saiu da caixa e, percorrendo a aldeia, fez cair algumas
folhas no chão, formando uma belíssima passadeira de amarelos, laranjas,
vermelhos e castanhos.
Abriu outra caixa prateada e de lá voaram, suavemente, algumas nuvens
que cobrira, os céus. O trabalho estava feito, era hora de descansar. De novo o
homem desapareceu. Agora não na penumbra da noite, mas sim nos primeiros raios
da aurora.
O velho homem era o Outono. Chegara e já começara a fazer o seu
trabalho.
Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa
Sem comentários:
Enviar um comentário
Obrigado pelo comentário!