O sol ainda não nascera, mas a sua luz já iluminava o céu, quando
Gubernator saiu de sua casa na encosta. De chapéu na cabeça, dirigia-se, todos
os dias, para o cais, onde residia o seu “Timoneiro”.
Gubernator havia nascido naquela ilha e por lá ainda vivia, amarrado
às memórias e lembranças. Por nada deste mundo deixaria aquela ilha e toda a
história que ela contava. Nem mesmo quando um violentíssimo fogo se alastrou
pela ilha Gubernator a deixou. Era ali, naquela casa, que tinha nascido,
naquelas ruas que crescera, naquelas pedras que brincara. Aprendera o ofício do
pai, nascera com as mãos da mãe. Aos quinze anos já trabalhava com o pai, lado
a lado, e tomava conta de casa, quando a mãe saía para vender no mercado do
continente.
Na ilha onde vivia, Senun, não morava muita gente. Gubernator
tornara-se um lobo solitário desde pequeno. Quando chegava o Verão é que
Gubernator conhecia o prazer de brincar com outras crianças que iam para a ilha
de férias. Mas tudo acabou, quando aos quinze, depois de seu pai morrer, teve
de começar a fazer as visitas turísticas pelo mar.
O “Timoneiro” tinha-se
tornado o seu companheiro e a única ligação a seu pai.
Poucos anos depois, morrera também a sua mãe, vítima de uma pneumonia.
Gubernator ficara sozinho e agarrara-se ainda mais ao que tinha. Decidira não
abandonar a ilha.
Todos os dias descia até junto do “Timoneiro”.
Tratava-o, cuidava-o. Um pequeno barco que era tudo para ele.
Mas os tempos novos assustavam-no. As pessoas já não vinham para a
ilha e os poucos que vinham não se arriscavam a meter um pé na pequena barca,
mesmo quando a viagem nada lhes custaria.
E ali estava Gubernator, de volta do barco, na sua solidão, rodeado de
lembranças e de imagens que só existiam a seus olhos.
Eram todos os dias igual a este: Gubernator sentava-se no cais,
esperando que alguém aparecesse para uma pequena viagem. Mas essas eram cada
vezmais raras e muitas vezes partia sozinho.
O mar estava calmo. “Timoneiro”
balançava suavemente nas ondas calmas. O sol começava a desaparecer por entre
os montes que rodeavam a ilha. De tudo o que Gubernator mais gostava era de ver
o por do sol. Por isso chegava a hora.
Do cais desamarrava o velho barco. Lentamente começou a contornar os
montes até que à sua frente só existia o azul do mar e um sol quase a mergulhar
nas águas.
Mais um dia chegava ao fim. O sol começava a tingir as águas de
vermelho e o velho Gubernator ali estava, sentado na sua barca, maravilhando-se
com esta maravilha da natureza, sempre igual, mas sempre diferente. Um rol de
emoções o invadia e o fazia ficar ali a assistir ao nascimento da lua e das
estrelas.
As primeiras estrelas surgiam no céu, cada uma a seu tempo. Mas quando
Gubernator deu por si, perdido nos seus pensamentos, já o céu se enchera de
estrelas. Deitado na sua barca, começou a recordar as constelações e as histórias
que seu pai lhe contara.
Esta noite era diferente. O ar estava calmo, a lua brilhava suavemente
no céu. No rosto de Gubernator esboçava-se um sorriso. Partira uma última vez
daquele porto e o “Timoneiro” iria
perder-se nos mares, mas Gubernator estava feliz, pois conseguira libertar-se
de todas as memórias e sentia-se preparado para explorar o mundo!
Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa