Voltou a chuva e com ela o vento e o frio.
Não percebo porque não aceitamos a chuva e o frio como aceitamos o sol e o calor. Bem, na verdade, nunca aceitamos algo que nos incomoda, e a chuva e o frio incomodam.
Sento-me no sofá, junto à janela a olhar o Outono lá fora. As árvores exprimem tons castanhos, embelezando-se e despindo-se. Durante três meses irão descansar, despir-se da sua beleza, para assim mostrarem e descerem à sua pequenez.
Estes pensamentos invadem-me a cabeça e adormeço a pensar neles...
Abro os olhos e encontro-me de pé no meio do quarto. Estranho, serei eu sonâmbulo?
Olho o quarto e no sofá vejo um vulto. Tento avançar para o vulto mas não consigo: algo me impede.
Esfrego os olhos para tentar reconhecer essa pessoa. Vejo-me a mim próprio. Nas mãos tenho um livro. Reparo nas minhas mãos. Estão velhas. A pele queimada pelo tempo.
o meu rosto não é mais jovem e agora as rugas enchem a minha face. O cabelo já não é branco. Tornou-se grisalho.
Na ponta do nariz seguro uns óculos para conseguir ler: a minha visão também envelheceu.
A capa preta cobre o meu corpo,escondendo a velhice que por ele passou.
Volto a olhar o quarto. Este também mudou. O espaço não é o mesmo, as estantes encheram-se de livros, a secretária de papeis e nas paredes surgiram vários quadro: fotos, acontecimentos, uma ou outra obra de arte. Ressalta na parede um grande crucifixo.
Esforço-me para tentar ler o título do livro que se encontra nas minhas "velhas" mãos. Não consigo perceber o seu título. Contudo reconheço aquela capa. Apesar de gasta, velha e já com algumas manchas, lembro-me perfeitamente daquele livro. É um livro que me tem acompanhado, parecendo-me que me continuará a acompanhar.
Enquanto ocupo a mente com estes pensamentos, o meu "velho" eu fecha o livro, pousa os óculos sobre ele e olha o horizonte. De súbdito, fixa o seu olhar no crucifixo. Dele parte para as fotos e quadros que estão colocados por ordem cronológica. Começa por olhar as velhas fotos da nossa infância...
Até a algumas recordo-me de tudo. Outras são-me totalmente desconhecidas.
No rosto do meu "velho" eu esboça-se um sorriso. Os seus olhos enchem-se de água, e as lágrimas começaram a jorrar. Jorram lentamente, uma depois da outra, sem grande pressa.
Consigo ler nos meus "velhos" olhos a alegria que sente em recordar aquilo tudo.
Reparo agora, que numa mesa a Bíblia está aberta e a seu lado encontra-se uma vela acesa. A sua chama treme de um lado para o outro, aumentando e diminuindo. Também assim tem sido a minha vida, com altos e baixos. Terá continuado assim? Possivelmente que sim.
Depois de observadas todas as fotos, o "velho" eu fechou os olhos e pegou nos óculos, batendo ligeiramente com eles na capa do livro. Marca um ritmo... um compasso...
Estará ele a ouvir algo no seu pensamento?...
Subitamente começo a ouvir, baixinho, uns sons. Esses sons vão aumentando, tornando-se música. Identifico-a facilmente: "Lago dos Cisnes".
Várias vezes estudei estas partituras. Várias vezes as levei comigo.
O "velho" eu levantou-se. Pousando o livro junto da Bíblia, dirige-se para o piano. Nele coloca umas partituras. Talvez vá tocar o "Lago dos Cisnes", ou uma outra peça.
Uma melodia suave sai do velho piano. Ela enche todo o espaço. É algo fabuloso.
Gostaria de guardar aquela melodia para sempre na minha alma e mente.
Tento ler o nome daquela peça. A minha alma espanta-se com o nome: "Partituras de um Sonho".
Procuro, com os olhos, o seu autor: "Volpe".
Não conheço esse autor, esse compositor. De ele nunca ouvi falar, nem nenhuma música dele ouvi.
Fixo o nome do compositor: "Volpe"...
Volta o "velho" eu para o sofá, onde fixa novamente o infinito.
Fixo também eu o infinito. o meu pensamento invade-se de pensamento. Como terá sido o seu passado, o meu futuro? Estarei e viverei também aquilo? Que sentimentos forraram a sua vida?
Fecha o "velho" eu os olhos e adormece a contemplar o infinito.
Acordo do sono, relembrando todo aquele Sonho.
Penso no que pensaria o "velho" eu, mas sei que terei de esperar e aí saberei as respostas!
Ismael Sousa
Vejo que começas a dar asas como filósofo e poeta! Parabéns ^^ Abraço
ResponderEliminarAdorei mesmo...
ResponderEliminarQuase chorei...
Sentido, vivido, reproduzido...
Simplesmente verdadeiro