sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Em bicos de pé...

No silêncio  da noite alguém vem ao meu encontro.
Não reconheço aquela figura que ao meu encontro vem.
Estou sentado num banco de jardim. Esfrego os olhos para tentar reconhecer quem se aproxima.
O nevoeiro da noite não me deixa reconhecer.
Senta-se a meu lado. Quando vira a cara para me falar, trazendo à luz a sua face, sou capaz de a reconhecer.
Parecia que me estava a ver ao espelho. Só não vestia a mesma roupa!
Uma vez mais a minha consciência veio ter comigo pela calada da noite.
Pediu-me que a acompanhasse.
Seguimos os dois por caminhos desconhecidos por mim. A minha consciência parecia conhecer muito bem aquele caminho sabendo quando virar, quando voltar atrás...
Levou-me pelos caminhos da vida...
Enquanto caminhávamos, ela foi falando: falando de mim...
E eu era incapaz de pronunciar uma única palavra. Quando abria a boca não emitia som.
Falava das minhas acções: repreendia-me e aprovava-me!
Enquanto me falava algo despertou a minha atenção: o seu falar era frio; o seu falar era cheio de amor: frio com amor.
Falava dos meus defeitos, pedindo-me que me emendasse.
De uma forma muito suave disse-me que não podia passar a vida em bicos de pé.
Não compreendi e pela primeira vez interpelei-a. 
Pedi-lhe que me explicasse, que o trocasse por miúdos...
De repente subiu para uma pedra e disse: "Quantas vezes queres estar a cima dos outros? Quantas vezes lutas para te exibires? Quantas vezes o consegues? Em algum momento irás cair. De que te valeu? Nada!"
O meu coração deu uma volta de 180º graus...
Dei uma volta ao pensamento...
Encontrei-me de novo no jardim. Agora sozinho. Só eu e a noite!
Fui para casa. 
Cheguei, abri a bíblia e encontrei o salmo 88!
Li-o e deixei-me a pensar...


Senhor Deus, meu Salvador, *
dia e noite clamo na vossa presença.
Chegue até Vós a minha oração, *
inclinai o ouvido ao meu clamor.
A minha alma está saturada de sofrimento, *
a minha vida chegou às portas da morte.
Sou contado entre os que descem à sepultura, *
sou um homem já sem foças.
Estou abandonado entre os mortos, *
como os caídos que jazem no sepulcro,
de quem já não Vos lembrais *
e que foram sacudidos da vossa mão.
Lançastes-me na cova mais profunda, *
nas trevas do abismo.
Pesa sobre mim a vossa ira, *
todas as vossas ondas caíram sobre mim.
Afastastes de mim os meus conhecidos, *
fizestes-me para eles objecto de horror.
Estou preso e não posso libertar-me, *
meus olhos se apagaram de tanto sofrer.
Clamo a Vós, Senhor, todo o dia, *
estendo para Vós as minhas mãos.
Fareis Vós maravilhas pelos mortos? *
Irão levantar-se os defuntos para Vos louvar?
Haverá no sepulcro quem fale da vossa bondade, *
ou da vossa fidelidade no reino dos mortos?
Serão conhecidas nas trevas as vossas maravilhas, *
na terra do esquecimento a vossa justiça?
14
Eu, porém, clamo por Vós, Senhor, *
de manhã, a minha oração sobe à vossa presença.
Porque então me afastais de Vós, Senhor, *
porque escondeis de mim o vosso rosto?
Infeliz de mim que agonizo desde a infância, *
já não posso mais suportar os vossos castigos.
Sobre mim passou a vossa ira *
e os vossos terrores me aniquilaram;
Como vagas me cercaram o dia inteiro *
e todos juntos caíram sobre mim.
Afastastes meus amigos e companheiros, *
só as trevas me fazem companhia.







Ismael Sousa

2 comentários:

  1. Não foi bem a Bíblia, foi mais a Liturgia da Horas - Completas de 6ª feira ...
    Não sei o que se passa contigo, mas quando voltares, etarei de braços abertos como no primeiro dia que nos cruzámos no famoso "Tens lume?"

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  2. «haverá no sepulcro...»
    haverá?
    como dizia um outro livro que li: »o que pode um condenado dizer aos outros condenados?»...
    a resposta: caberá a cada um de nós procurar essa réstia de luz que faz com que a noite se chame assim e não apenas escuridão... n.a.

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