quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Irá o sol raiar?

Acendo um cigarro... Não é um cigarro qualquer. É um pensativo cigarro.
Olho o seu fumo que sobe pelo ar, adquirindo formas belas, formas desconhecidas, demonstrando a sua liberdade.
Do alto da minha janela olho o jardim público.
Os seus bancos estão todos cheios. Alguns cheios de solidão, outros cheios de saudade, outros ainda com pobres mendigos que se cobrem com cobertores de papel, e a sua almofada é a bela de uma mão.
Não consigo compreender como pode o ser humano chegar a este ponto. Não compreendo como o ser humano consegue assistir a isto. Não compreendo como a sociedade o permite.
Acabo o cigarro e penso durante alguns segundos. Acho que ainda me resta algo do jantar, e que menos um cobertor não me fará falta.
Preparo tudo e desço as escadas... A meio do caminho lembro-me que não bastará sair à rua com uma refeição e um cobertor.
Volto a subir as escadas, ponho um prato na mesa, e ponho a aquecer a refeição.
Saio para a rua: está um frio de matar. Apresso-me a ir ter com o mendigo que faz do céu o tecto de sua casa, do banco do jardim a sua cama...
Durante o caminho, penso em mil formas de o abordar. Nenhuma me parece perfeita. Sento-me a seus pés, e abordo-o.
A sua primeira reacção foi de susto. Pensou ser algum policia ou um drogado qualquer. De imediato me pede desculpa pela sua reacção.
Convido-o a entrar na minha casa. Primeiramente recusou. Mas não foi preciso voltar a pedir, pois estava com necessidade disso.
Acompanho-o até à minha casa, onde o dirijo para a casa de banho.
Ofereço-lhe um banho. Nunca vi os olhos de alguém brilharem por um banho quente, como os dele brilharam.
Deixo tudo à sua disposição para tomar banho, vestir roupa lavada, fazer a barba e a sua higiene pessoal.
Indico-lhe a sala de jantar para ele ir la ter. Recusa-se a comer na sala de jantar, dizendo que a cozinha lhe basta.
Contudo, não o deixei levar a sua avante, e disse-lhe que o esperava na sala de jantar.
Enquanto tomava banho, preparei o quarto de hóspedes, uma refeição em condições, pois vi que os meus "restos" não seriam suficientes para matar a sua fome.
Pouco tempo se demorou e quando dei conta já ele estava junto a mim.
Pedi-lhe para se sentar e a seu lado sentei-me com ele.
Não precisei de dizer nada. Começou a falar da sua vida, do porquê de andar nas ruas, etc.
As horas passaram, e aquele homem falou do que ia dentro do seu coração.
Não fui capaz de articular uma palavra. Dos meus olhos jorravam lágrimas e mais lágrimas. Nunca ouvira uma vida assim! Nunca ninguém se abrira assim comigo, sem me conhecer.
A refeição já a tinha acabado há umas duas horas, mas continuou a falar.
Depois de se abrir, levantou-se e agradeceu tudo. Pedi-lhe para ficar a dormir em minha casa, ao que ele se negou fortemente. Insisti. Mas ele não deixou. Acompanhei-o à porta, onde me despedi dele com um abraço.
Voltou para o seu banco de jardim, cobrindo-se novamente com o cobertor de cartão.
O meu coração apertou-se de dor, de não conseguir fazer mais nada por aquele homem.
Volto para a janela, onde fumo outro cigarro.
Tenho de ajudar aquele homem. Tenho de o fazer.
Atiro com o cigarro, pego em dois cobertores e saio de casa.
O pobre mendigo já dormia, e nos seus sonhos sonharia com um futuro melhor, pois sorria!
Cobri-o, tapei-o bem, para que o frio não o incomodasse.
No banco a seguir sentei-me, envolvido no cobertor e velei o seu sono.
Na minha cabeça só permanecia o pensamento: Como te posso ajudar?

Ismael Sousa

3 comentários:

  1. Uahhhh tou sem palavras...
    Todo o que escreves-te é real é sentido é vivido


    Admiro a tua capacidade de escrever.... de expor sentimentos.... é um grande dom..

    Eu tambem quero ajudar!!!!

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  2. Parabéns pelo fantástico post! Tem realmente que se lhe diga. Mas é preciso passar da acção À prática. A caridade é boa, é do melhor que podemos fazer. Mas não basta conceptualizar uma estória, uma fórmula, é preciso integrar isso e fazer com que a caridade seja a nossa maneira de viver.
    Veio mesmo a propósito de São Martinho! Abraço

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  3. Ismael..... acredita que me vieram as lágrimas aos olhos.

    Tens um coração do tamanho do mundo. Mais do que isso, tens um dom. A sociedade necessita com urgência de pessoas como tu.

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Obrigado pelo comentário!