Entrei pelas muralhas na esperança de encontrar uma cidade movimentada, como há muito não encontro.
Nas muralhas nem guardas nem vigilantes. Apenas uma velha porta entreaberta.
Abro a porta e deparo-me com um túnel. Ao longe, no fim do túnel, uma luz brilha, impossibilitando-me de conseguir ver para além dela.
Percorro em direcção à luz, esperando o contacto com as pessoas. Há cerca de um mês que não falo com ninguém, não vejo ninguém. Tenho andado a vaguear pelos desertos, conhecendo o que todos dizem ser igual.
Muitas vezes penso ter-me perdido, andado em círculos, sem ver alma viva.
Cheguei a delirar. Há quem tenha ilusões de Arens. Mas eu não. Cheguei a pensar que tinha visto um belo rapaz. Cabelos loiros, estatura média e com um grande cachecol pelo pescoço. Pelo aspecto parecia um pequeno príncipe. Mas quando me abeirei dele, ele desapareceu.
Finalmente encontrei rumo, e cheguei a estas muralhas.
O meu coração está num estado de perturbação enorme. Necessito de contacto com pessoas.
Chego ao fim do túnel com a cabeça cheia de pensamentos.
Depois de me adaptar à luz não vejo ninguém nas ruas. Penso que estarão recolhidas nas suas casas por alguma ocasião.
Começo a subir pela cidade e não vejo sinal de pessoas. Grito, tentando chamar a atenção das pessoas, mas o meu grito parece não fazer efeito.
As portas das casas estão abertas. Outras fechadas. Janelas partidas, casas sem telhados, cadeiras e mesas derrubadas. Ruínas. Tudo o que vejo são ruínas.
Procuro pelos campos, esperando encontrar alguém, mas volto a fracassar.
Entro pela velha igreja que se encontra abandonada. Os santos foram derrubados, os castiçais jazem junto dos santos. Começa a subir por mim um medo terrível e procuro com os olhos o Sacrário: até esse foi vandalizado.
Sinto-me desgostoso. Precisava do contacto com alguém, e a única cidade que encontro, encontra-se abandonada e perdida na história.
Não mais tenho forças para continuar a minha busca. Estou a tornar-me num animal; um ser sem sociabilidade.
Cai-o por terra inconsolável.
Junto a mim está a imagem de um santo. Olho para ele e ponho mãos à obra. Tento colocar tudo nos locais que me parecem próprios. Vem a noite e com ela a escuridão e as estrelas.
Procuro na minha velha mochila, que está agora gasta pelo tempo e pelas areias dos desertos, pelo isqueiro. Acendo as velas que, depois de pouca luz, começam a arder como já antes tinham ardido. A igreja está agora iluminada.
Volto à velha mochila e tiro o meu caderno e a caneta.
Sento-me na porta da velha igreja a olhar as estrelas, a olhar o meu passado, meditando no meu futuro.
Começo a escrever no caderno que se tornou a minha única companhia.
“Hoje entrei naquela que pensava ser a minha salvação, mas a desgraça já tinha passado por ela. De tudo o que aqui vi, só me resta a palavra solidão para o descrever. Tudo caiu na solidão; tudo ficou abandonado pelo tempo. De nada mais me resta fazer aqui. Vou partir.”
Depois de escrever estas palavras, fecho o caderno, coloco-o outra vez na mochila e faço-a de minha almofada.
A lua surge no céu para me velar a noite.
Adormeço, esperando que isto não passe de um pesadelo.
Ismael Sousa
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