Estou sentado no meu quarto, onde não chega mais barulho: está tudo tão silencioso. Há minha volta não existe mais barulho, não existe mais nada: só o velho sofá, a velha mesa, o balão do whisky e o companheiro de longas horas: o cachimbo.
Uma vez mais divago pelos pensamentos que ocorrem no meu pensamento. Olho as velhas paredes da minha casa que tanto ouviram os meus gritos. Ao contrário do que se canta, eu contei às minhas paredes os meus sofrimentos; a elas me confessei; delas fiz o meu diário.
Imagino que, se elas falassem, teriam tanto para contar. Se tivessem olhos, saberiam mais da minha vida que eu próprio.
O meu Velho e triste fado foi sempre passado entre estas paredes. Elas foram companheiras de muita alegria, de alguma dor e desilusão. Nelas coloquei a minha vida, na forma de fotos, quadros e recordações.
Serão elas as únicas a ver o meu último suspiro, a amparar-me na minha morte, sem saberem como.
Certamente, depois de assistirem a toda a minha vida, assistirão à vida de muitos outros, como assistiram aos que estiveram antes de mim. E no dia em que, por acidente ou sina, deixarem de existir, com elas também eu e os que junto a elas construíram a sua vida, deixarão de ser recordados.
Com elas morrerá toda a nossa história. Com elas seremos nós também deitados por terra.
Mas no dia em que alguém passar pelas ruínas desta casa, relembrará que ali alguém foi feliz: quem não se sabe ao certo.
Gostaria de relembrar o dia em que elas foram levantadas, o dia em que uma nova alegria se gerou. Contudo é-me impossível recordar esse dia, pois quando inspirei o sopro da vida, já ela existia e já nela se criavam vidas.
Agradeço a Deus por não me deixar ver cair esta casa, por não me dar a visão desta casa em ruínas.
Ad majorem Dei gloriam!
Ismael Sousa
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